Páginas

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

QUEM RESPONDERÁ POR NOSSAS VIDAS?


Nota Conjunta do Conselho Municipal de Saúde do Recife

do Conselho Municipal de Educação


             


O atual contexto de pandemia, em virtude da proliferação da Covid-19, mudou, radicalmente, o cotidiano da população mundial, acarretando, além das irreparáveis perdas, haja vista o grande número de óbitos ocorridos, um panorama complexo de desigualdades e miséria em muitos países, sobretudo os mais periféricos.

O novo Coronavírus modificou a rotina de milhões de brasileiros, catalisou o ambiente de crise econômica e institucional, e contribuiu, para desnudar as desigualdades que, historicamente, constituiu-se na estrutura social do país.

No âmbito municipal, essas dificuldades se materializaram em grandezas exponenciais, desafiando os mais variados técnicos e agentes públicos, tendo em vista o enfretamento à pandemia, e o necessário cuidado de preservar a integridade e as vidas, principalmente dos estratos sociais mais necessitados.

Na seara educacional, as escolas e as creches do Sistema Municipal de Ensino do Recife, o qual engloba as redes – pública, privada e conveniada que tiveram que paralisar suas atividades pedagógicas, desde o dia 18 de março. E frente ao ambiente de crise sanitária, as unidades escolares tornaram-se importantes espaços de enfretamento à Covid-19, tendo em vista a atuação das equipes do campo educacional na distribuição de alimentos para as famílias dos(as) estudantes matriculados(as).

Por outro lado, visto o conjunto de debilidades, percebidas nas estruturas das escolas municipais, o atendimento educacional remoto não conseguiu ser construído com efetividade, sobretudo pela debilidade na questão do acesso aos conteúdos e às atividades pedagógicas por parte dos(as) estudantes que, na sua maioria, não contam com espaços de estudos, equipamentos tecnológicos, ou internet nos seus domicílios.

Um desafio, posto ao Sistema Municipal de Ensino, que frente aos obstáculos constituídos pela atual crise sanitária, acumula a necessidade de apontar e/ou construir saídas para o grande abismo que se forma, entre as redes públicas e as escolas particulares, uma vez que, no setor privado, as instituições adotaram uma rotina pedagógica remota, patamar esse a que o ensino público, infelizmente não conseguiu chegar, deixando muitos estudantes desassistidos.

Um ambiente complexo, que se não fosse justificado pela necessidade primeira de preservação das vidas, poderia ser solucionado com políticas públicas focalizadas, e com aumento dos investimentos no setor.

No entanto, o horizonte é turvo, e os dias não apresentam saídas fáceis ou automáticas aos gestores públicos. Realidade essa que nos remete ao constante exercício de análises coletivas, e escutas dos mais variados setores, a fim de promover entendimentos que consigam formular, embora, no mínimo, uma redução de danos ao atendimento educacional da população.

Nesse contexto, o diálogo e a construção coletiva se estabelecem como os caminhos mais razoáveis para a construção de diretrizes que alicercem formas, visando ao atendimento educacional no Sistema Municipal de Ensino do Recife. Paralelamente, a esses expedientes, faz-se necessário seguir as orientações científicas, oriundas das autoridades médicas e sanitárias, a fim de tomar as decisões de forma acertada.

Entretanto, objetivamente, as condições, colocadas no momento, para a comunidade escolar, ainda são, as de nos mantermos com o máximo cuidado e precauções, a fim de preservarmos as nossas vidas, e as das outras pessoas. Inexiste acesso à vacina contra a Covid-19, e a doença ainda se espalha por Pernambuco, uma vez que, mesmo com o status de queda ou estabilidade, nos casos vitimados pele doença, ainda temos a perda de dezenas de vidas, diariamente, no Estado, totalizando 7.008 óbitos, e 105.982 casos (segundo o boletim da Secretaria Estadual de Saúde do dia 11 de agosto do corrente ano). Sobre a situação atual da cidade do Recife, nas últimas 24 horas, foram confirmados 134 novos casos da Covid-19, sendo 112 leves, e 22 de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Também foram confirmadas 6 novas mortes, indicadas, posteriormente, através de exames laboratoriais. Assim, até 10 de agosto de 2020, o Município do Recife totalizava 28.504 casos da COVID-19, sendo 19.764 leves da doença, e 8.74 de SRAG, e destes 2.185 vieram a falecer (Boletim epidemiológico nº 149 de 2020, Secretaria de Saúde do Recife, publicado no dia 11/08/2020). Aspectos esses que não podem ser considerados, como um processo natural. Ressalta-se que as mortes não são apenas números, são seres humanos que estão partindo e deixando em luto suas famílias. Isso é muito grave e triste!

Além disso, existem evidências, visto a experiência de alguns países, como a da França e a da Coreia do Sul, que algumas escolas reabertas tiveram de fechar, por conta de novos focos da doença (Fonte: BBC News 24/06/2020), o que denotou o insucesso da reabertura das escolas para o restabelecimento das aulas presenciais nesse ambiente de pandemia.

Somam-se também, os alertas emitidos por instituições de pesquisa, relatando os possíveis prejuízos que poderão ocorrer por uma “irresponsável volta às aulas nas unidades de ensino”, como, por exemplo, os estudos apresentados pelos professores de estatística da UFPE (JC, NE 10 e uol.com.br), e pelos pesquisadores da Fiocruz (CNN – 07/08/2020)

Dessa maneira, fica o questionamento maior sobre o possível retorno das aulas presenciais do Sistema Municipal de Ensino do Recife: Quem responderá pelas vidas da comunidade escolar?

A quem serve a oferta do retorno das atividades escolares do Recife, na contramão da ciência, e apenas munido de protocolos, desprovidos das garantias científicas e técnicas das autoridades médicas e sanitárias?

Sem a devida vacina ou outras medidas igualmente seguras, cientificamente referendadas, inexistirá a cura da Covid-19, que ainda vem tirando muitas vidas em todo mundo. E qual o papel de uma gestão pública nesse processo, decidir, de forma unilateral, pelo restabelecimento das aulas presenciais, ou se preocupar com a vida e a integridade da comunidade escolar, apontando saídas coletivizadas com outras instituições?

E frente às indagações apresentadas, o Conselhos Municipal de Educação e o Conselho Municipal de Saúde do Recife, percebendo as suas responsabilidades e prerrogativas, compactuam com as orientações da OMS, referentes à inviabilidade do retorno às aulas na modalidade presencial, até que se associe a queda, consistente nos casos, com a descoberta, eficácia e disponibilização de uma vacina que venha a erradicar ou controlar a doença. E por meio desta carta, oficializam o posicionamento dos seus colegiados em não aprovar medidas de retorno às atividades escolares, vinculadas ao Sistema Municipal de Ensino, enquanto perdurar o estado de pandemia, colocando-nos, assim, ao lado daqueles que, nessa atual quadra, optaram por defender, necessariamente, a vida.

Sugerimos que a “Comissão para Enfrentamento da Covid-19” que está definindo o retorno às aulas, bem como as medidas do plano de flexibilização, fechamento/reabertura, dialogue com os Conselhos Municipais do Recife, tendo em vista que seus membros representam parte da sociedade, engajada para uma melhor solução à problemática. A preocupação na assistência à saúde, como um todo, dá-se e agrava-se com as restrições, causadas da entrada em vigor da EC–95 (Emenda Constitucional), e que limita, ainda mais, os recursos para investir na saúde.

E, por fim, reafirmamos nossa disposição em construir, coletivamente, saídas e/ou formular políticas democráticas, e socialmente referenciadas, que salvaguardem a vida da população do Recife.

Recife, 13 de Agosto de 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário