Nota Conjunta do
Conselho Municipal de Saúde do Recife
e do Conselho Municipal de Educação
O atual contexto de
pandemia, em virtude da proliferação da Covid-19, mudou, radicalmente, o
cotidiano da população mundial, acarretando, além das irreparáveis perdas, haja
vista o grande número de óbitos ocorridos, um panorama complexo de
desigualdades e miséria em muitos países, sobretudo os mais periféricos.
O
novo Coronavírus modificou a rotina de milhões de brasileiros, catalisou o
ambiente de crise econômica e institucional, e contribuiu, para desnudar as
desigualdades que, historicamente, constituiu-se na estrutura social do país.
No
âmbito municipal, essas dificuldades se materializaram em grandezas
exponenciais, desafiando os mais variados técnicos
e agentes públicos, tendo em vista
o enfretamento à pandemia, e o necessário cuidado de
preservar a integridade e as vidas, principalmente dos estratos sociais mais necessitados.
Na seara educacional, as escolas e as creches
do Sistema Municipal de Ensino do Recife,
o qual engloba as redes – pública, privada e conveniada que tiveram que
paralisar suas atividades pedagógicas, desde o dia 18 de março. E frente ao
ambiente de crise sanitária, as unidades escolares tornaram-se importantes
espaços de enfretamento à Covid-19, tendo em vista a atuação das equipes do
campo educacional na distribuição de alimentos para as famílias dos(as)
estudantes matriculados(as).
Por
outro lado, visto o conjunto de debilidades, percebidas nas estruturas das
escolas municipais, o atendimento educacional remoto não conseguiu ser
construído com efetividade, sobretudo pela debilidade na questão do acesso aos conteúdos e às atividades pedagógicas por parte dos(as)
estudantes que, na sua maioria, não contam com espaços de estudos, equipamentos
tecnológicos, ou internet nos seus domicílios.
Um desafio,
posto ao Sistema
Municipal de Ensino,
que frente aos obstáculos constituídos pela atual crise sanitária,
acumula a necessidade de apontar e/ou construir saídas para o grande abismo que
se forma, entre as redes públicas e as escolas particulares, uma vez que, no
setor privado, as instituições adotaram uma rotina pedagógica remota, patamar
esse a que o ensino público, infelizmente não conseguiu chegar, deixando muitos
estudantes desassistidos.
Um
ambiente complexo, que se não fosse justificado pela necessidade primeira de
preservação das vidas,
poderia ser solucionado com políticas públicas
focalizadas, e com aumento dos investimentos no setor.
No
entanto, o horizonte é turvo, e os dias não apresentam saídas fáceis ou
automáticas aos gestores públicos. Realidade essa que nos remete ao constante
exercício de análises coletivas, e escutas dos mais variados setores, a fim de
promover entendimentos que consigam
formular, embora, no mínimo, uma redução de danos ao atendimento educacional da
população.
Nesse contexto, o diálogo e a construção coletiva se estabelecem como os caminhos
mais razoáveis para a construção de diretrizes que alicercem formas,
visando ao atendimento educacional no Sistema Municipal de Ensino do Recife.
Paralelamente, a esses expedientes, faz-se necessário seguir as orientações
científicas, oriundas das autoridades médicas e sanitárias, a fim de tomar as
decisões de forma acertada.
Entretanto,
objetivamente, as condições, colocadas no momento, para a comunidade escolar,
ainda são, as de nos mantermos com o máximo cuidado e precauções, a fim de
preservarmos as nossas vidas, e as das outras pessoas. Inexiste acesso à vacina
contra a Covid-19, e a doença ainda
se espalha por Pernambuco, uma vez que, mesmo com o status de queda ou estabilidade, nos
casos vitimados pele doença, ainda temos a perda de dezenas de vidas,
diariamente, no Estado, totalizando 7.008 óbitos, e 105.982 casos (segundo o boletim da Secretaria Estadual
de Saúde do dia 11 de agosto
do corrente ano). Sobre a situação atual da cidade do
Recife, nas últimas 24 horas, foram confirmados 134 novos casos da Covid-19, sendo
112 leves, e 22 de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda
Grave). Também foram confirmadas 6 novas mortes, indicadas, posteriormente, através
de exames laboratoriais. Assim, até 10 de agosto de 2020, o Município do Recife
totalizava 28.504 casos
da COVID-19, sendo 19.764 leves
da doença, e 8.74 de SRAG, e destes 2.185 vieram a falecer (Boletim
epidemiológico nº 149 de 2020, Secretaria de Saúde do Recife, publicado no dia
11/08/2020). Aspectos esses que não podem ser considerados, como um processo
natural. Ressalta-se que as mortes não são apenas números, são seres humanos
que estão partindo e deixando em luto suas famílias. Isso é muito grave e triste!
Além disso,
existem evidências, visto a experiência de alguns países,
como a da França e a da Coreia do Sul, que algumas escolas
reabertas tiveram de fechar, por conta de novos focos da doença (Fonte:
BBC News 24/06/2020), o que denotou
o insucesso da reabertura
das escolas para o restabelecimento das aulas presenciais nesse ambiente de pandemia.
Somam-se
também, os alertas emitidos por instituições de pesquisa, relatando os
possíveis prejuízos que poderão ocorrer por uma “irresponsável volta às aulas
nas unidades de ensino”, como, por exemplo, os estudos apresentados pelos
professores de estatística da UFPE (JC, NE 10 e uol.com.br), e pelos
pesquisadores da Fiocruz (CNN – 07/08/2020)
Dessa maneira,
fica o questionamento maior sobre o possível
retorno das aulas presenciais
do Sistema Municipal de Ensino
do Recife: Quem responderá pelas vidas da comunidade
escolar?
A
quem serve a oferta do retorno das atividades escolares do Recife, na contramão
da ciência, e apenas munido de protocolos, desprovidos das garantias
científicas e técnicas das autoridades médicas e sanitárias?
Sem a devida vacina
ou outras medidas
igualmente seguras, cientificamente referendadas, inexistirá a cura da Covid-19, que ainda vem tirando muitas
vidas em todo mundo. E qual
o papel de uma gestão pública nesse processo, decidir,
de forma unilateral, pelo restabelecimento
das aulas presenciais, ou se preocupar com a vida e a integridade da comunidade
escolar, apontando saídas coletivizadas com outras instituições?
E
frente às indagações apresentadas, o Conselhos Municipal de Educação e o
Conselho Municipal de Saúde do Recife, percebendo as suas responsabilidades e
prerrogativas, compactuam com as orientações da OMS, referentes à inviabilidade
do retorno às aulas na modalidade presencial, até que se associe a queda,
consistente nos casos, com a descoberta, eficácia e disponibilização de uma
vacina que venha a erradicar ou controlar a doença. E por meio desta carta,
oficializam o posicionamento dos seus colegiados em não aprovar medidas de retorno às atividades escolares, vinculadas ao
Sistema Municipal de Ensino, enquanto perdurar o estado de pandemia,
colocando-nos, assim, ao lado daqueles que, nessa atual quadra, optaram por
defender, necessariamente, a vida.
Sugerimos
que a “Comissão para Enfrentamento da Covid-19” que está definindo o retorno às aulas, bem como as medidas do plano de flexibilização, fechamento/reabertura, dialogue com os
Conselhos Municipais do Recife, tendo em vista que seus membros representam
parte da sociedade, engajada para uma melhor solução à problemática. A
preocupação na assistência à saúde, como um todo, dá-se e agrava-se com as
restrições, causadas da entrada em vigor da EC–95 (Emenda Constitucional), e
que limita, ainda mais, os recursos para investir na saúde.
E, por fim, reafirmamos nossa disposição em
construir, coletivamente, saídas e/ou formular
políticas democráticas, e socialmente referenciadas, que salvaguardem a vida da população do Recife.
Recife, 13 de Agosto de 2020